Documento propõe ações para redução dos prejuízos causados pela pandemia e também para valorização dos potenciais do Norte de Minas

As desigualdades sociais e econômicas estão entre os principais desafios apresentados ao combate à transmissão da Covi-19 e, também, para mensurar os impactos após o pico da pandemia. Em função das particularidades históricas e econômicas, a região do Norte de Minas concentrará parte dos efeitos severos da crise provocada pela propagação da doença. É o que aponta o documento “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional no Contexto da Crise Desencadeada pela Covid-19”, assinado conjuntamente por 18 entidades, entre as quais a Universidade Estadual de Montes Claros.

O material reúne uma série de medidas, como proposta de diálogo com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para a construção de um plano de ações com participação social. O foco do documento é a defesa pela segurança alimentar e nutricional e pelos direitos territoriais e culturais das populações da região – destacando suas potencialidades nestes âmbitos.

Apresentação de batuque na comunidade quilombola de Buriti do Meio, localizada no município de São Francisco (Norte de Minas) – fotos Amanda Lélis

De acordo com o professor do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, Helder dos Anjos Augusto, a ação tem papel importante no contexto atual de enfraquecimento de políticas públicas voltadas à garantia de direitos sociais e ambientais. “O documento reflete a conexão de iniciativas locais, na promoção de debates entre sociedade civil organizada, comunidades científicas e poder público. E, consequentemente, espelha a promoção ao incentivo ao desenvolvimento social, econômico e ambiental da região norte-mineira”, reforçou.

Conforme aponta o texto, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 85% dos estabelecimentos de agropecuária na região são de agricultores familiares. O Norte de Minas agrega, também, quase 100 assentamentos rurais da reforma agrária, povos indígenas de duas etnias, mais de 200 comunidades quilombolas, além de outras comunidades tradicionais como as vazanteiras e pesqueiras, as geraizeiras, as veredeiras, as caatingueiras e as de apanhadoras de flores, nas proximidades de Diamantina. O texto destaca o importante papel destes grupos para a produção de alimentos para o consumo próprio e também para o abastecimento regional e nacional.

A UFMG é uma das signatárias da carta, por meio de grupos de pesquisas e programas de pós-graduação, assim como a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), movimentos sociais e organizações da sociedade civil. As entidades estão organizadas por meio do Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas.

Documento propositivo (arquivo PDF)

A Universidade oferece subsídios para a reflexão de estratégias às demandas sociais, com base no conhecimento desenvolvido nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, conforme afirmou o professor Helder dos Anjos. “A UFMG tem o papel de facilitador no desenvolvimento de informações técnico-científicos importantes nas tomadas de decisões dos poderes públicos, municipal, estadual e federal”.

CONTRAPROPOSTA AO DESENVOLVIMENTO PREDATÓRIO

O Fórum teve início em 1997 e com forte incidência na articulação de debates críticos em torno da proposta de desenvolvimento econômico vigente para a região naquele período. O movimento do Fórum oferecia uma contraposição ao modelo imposto ao Norte de Minas, que valorizava a implantação de grandes projetos de agricultura irrigada, de monocultura de eucalipto em larga escala, entre outros, aos quais sobressai o estímulo ao crescimento econômico, a despeito do bem-estar social e da conservação ambiental.

“Durante décadas, as organizações que participam do Fórum articularam discussões, formulando propostas de políticas públicas e buscando apoio para implementação de projetos sustentáveis de acesso à terra, de fortalecimento da agricultura familiar como produtora de alimentos saudáveis e em defesa de princípios da agroecologia e da convivência com o semiárido”, explicou Cláudia Luz de Oliveira, professora da Unimontes e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA).

A retomada dessas discussões do Fórum, no contexto da pandemia da Covid-19, segue em encontro ao posicionamento de organizações nacionais que defendem a elaboração de um modelo sustentável que aproveite e valorize as potencialidades locais, levando em consideração o histórico social, as particularidades culturais e territoriais das populações e o conhecimento ancestral vinculado à produção de alimentos.

Cláudia afirma que o documento procurou enfatizar o potencial desses grupos sociais como produtores de alimentos saudáveis. “Eles prestam um serviço fundamental para a saúde da população brasileira, que vai muito além da nossa região. Mas para que continue, é preciso que as condições e os direitos sejam garantidos. E que as políticas públicas deem apoio para que estes atores possam de fato transformar todo esse potencial em realidade”, reforçou a pesquisadora Cláudia Luz.

MEDIDAS DE AÇÃO

O sociólogo e também professor da Unimontes, Daniel Coelho de Oliveira, comenta que o contexto de crise provocado pela doença evidencia a necessidade de proporcionar as condições de manutenção da segurança alimentar e nutricional, em especial para as populações mais vulneráveis. “Por isso, o documento propositivo alerta gestores municipais, estaduais e federais para a importância de se criar politicas públicas emergenciais frente aos efeitos da pandemia da Covid-19”, comentou.

Entre as preocupações apontadas no texto estão situações emergenciais do cenário atual e, também, traz uma projeção para consequências que poderão incidir sobre estas populações com o fim da pandemia. Entre os pontos abordados está, por exemplo, a reorganização de sistemas de produção e de abastecimento de produtos da agricultura familiar nos municípios e no Estado. “Essa situação da Covid-19 vem agravar um processo de desestruturação de políticas públicas que já vinha impactando fortemente os agricultores familiares, os povos e comunidades tradicionais e toda essa população que caracterizamos como vulneráveis; as que irão sofrer mais fortemente os impactos dessa crise”, explicou Cláudia.

O texto foi elaborado coletivamente com colaboração das entidades nos temas em que são especializadas e transmite a diversidade de experiências e saberes dos grupos participantes do Fórum. De acordo com a professora Cláudia Luz, o material será amplamente divulgado, com a intenção de que estimule a formulação de políticas e sirva, ainda, como referência para atuação de grupos de pesquisa e outras organizações na implementação de projetos de apoio ao setor.

O documento foi encaminhado para a Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento –, e para o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, entre outras organizações.

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