Entrevista: Gislene Alves Rocha – médica psiquiátrica
Diante do isolamento social, medida adotada contra a transmissão do Coronavírus (Covid-19), muitas pessoas podem ter a saúde mental afetada. Problemas como a ansiedade podem surgir neste período, contudo podem ser evitados. A orientação é da professora e médica psiquiátrica Gislene Alves da Rocha, preceptora das residências de Psiquiatria e Geriatria do Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF), da Unimontes. Integrante da Comissão de Emergências Psiquiátricas da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Gislene Alves sugere, entre outras ações, aproveitar bem o tempo, sem sofrimento, cuidar das plantas, dos animais. “Podem também dar aquela arrumada no que precisava”, recomenda a médica. Confira a entrevista.
Portal Unimontes Como conviver com o isolamento social, sem afetar a saúde mental?
Gislene Rocha – Nós, brasileiros, nunca passamos por uma calamidade mundial, como guerras em nosso território. Não estamos preparados psicologicamente para uma ameaça tão grande e assim face a face. Segundo, somos um povo livre, acostumado a ir e vir, quando quiser, sem grandes restrições como em alguns países árabes, para mulheres por exemplo. E mais: somos um povo caloroso, que gosta de beijos e abraços, que gosta de se reunir, tanto amigos quanto familiares, que necessitam do chamado “calor humano”. É preciso, primeiramente, entender a importância (do isolamento social) e impedir que a contaminação da população ultrapasse a capacidade de nossos serviços, causando mais mortes, inclusive por outras doenças por falta de leitos. É um momento que, como tudo na vida, vai passar.
Como aproveitar melhor tempo e evitar a ansiedade?
O cérebro tende a querer o que é proibido. Isso gera ansiedade ainda maior no sentido de burlar orientações das autoridades. Pensamos assim: posso, mas escolho não sair. Isso nos ajuda a enganar o cérebro, o inconsciente, diminuindo a ansiedade. Reforçar o pensamento “estou salvando vidas” dá ao nosso cérebro o chamado reforço positivo, que pode trazer até satisfação em estar isolado pelo bem da humanidade.
E pra quem não pode trabalhar em home office, qual rotina deve ser adotada?
Deve-se estabelecer uma rotina. É preciso ter hora de deitar e levantar. Um bom padrão de sono também é essencial. Importante também manter os laços por meio das redes sociais, com familiares e amigos. Há muitos recursos para isso, incluindo até o velho e companheiro telefone simples. Existem pessoas que estão organizando web meetings familiares e de amigos. Há outras opções, como a realização de exercícios físicos. Na internet, estão disponibilizando vídeos gratuitamente com orientações para exercícios físicos. Ler bons livros, ver boas séries e trocar dicas dos mesmos também são indicados.
Quais outras atividades são possíveis de realizar em quarentena?
Um ambiente organizado é imprescindível para uma boa saúde mental. Cuidar das plantas, dos animais, arrumar o que precisou ser arrumado e sempre “faltou tempo”. Além disso, recomendo participar de grupos nas redes sociais de interesses comuns. É uma oportunidade também de se aventurar na produção de vídeos próprios, ensinando o que sabe para ajudar outras pessoas.
O isolamento pode provocar depressão nas pessoas?
Muitas pessoas tendem a ficar mais irritadas, menos tolerantes e até agressivas, principalmente verbalmente. Houve aumento de divórcios na China. Esse sintoma está relacionado ao que chamamos de “reação ao estresse”, que pode trazer ainda sintomas ansiosos, depressivos e até psicóticos. É preciso estar atento e buscar ajuda quando necessário.
E a ansiedade?
É, até certo ponto, normal no ser humano. Sem um nível saudável de ansiedade, que vem de uma preocupação, não tomaríamos medidas necessárias à manutenção de nosso bem-estar e dos familiares. Não seguiríamos as recomendações das autoridades sanitárias, por exemplo. Quando a ansiedade passa a ser desproporcional, constante, levando ao desespero e cuidados excessivos, é patológica, necessitando de intervenção médica e psicológica. Evitar essa ansiedade patológica envolve cuidados gerais, como evitar o excesso de informações sobre a pandemia, reservando apenas um horário do dia. Pessoas como Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e Fobia Social tendem a ter seus sintomas agravados e não devem abandonar o tratamento psiquiátrico e psicológico, assim como pessoas com transtornos psiquiátricos, em especial, a depressão.
Como enfrentar ambientes de incerteza futura?
É comum o desalento, a desesperança, a insegurança, que podem evoluir com um quadro depressivo. Depende muito da capacidade de resiliência frente às dificuldades. Identificando esses sintomas, recomenda-se atendimento psiquiátrico. Para quem é religioso, fortalecer os laços de fé e não se isolar ainda mais. Ter uma rotina e entender que está ajudando a humanidade, com serenidade, compreendendo que passará. É importante cada um fazer a sua parte. Quem sofre de transtornos depressivos, não deve abandonar o tratamento, podendo, inclusive, intensificá-lo com atendimentos mais frequentes.
Na prática, como encarar o momento de quarentena?
Importante aprender coisas novas, manter contato com pessoas queridas pelas redes sociais. Há outras sugestões como exercitar-se, criar rotinas, ter boas noites de sono, ler, assistir a filmes e séries. É importante também colocar o despertador em um horário confortável. Tomar um banho pela manhã para se animar, tomar um bom café da manhã e arrumar-se. Afinal, você verá seus amigos e familiares virtualmente. Ficar em casa desarrumado, descabelado, não ajuda em nada a autoestima e nos afasta dos possíveis contatos virtuais. Se for religioso, mantenha-se ativo em sua fé, em casa mesmo. Estabeleça e cumpra sua rotina diária, interaja com os companheiros de confinamento, afinal estamos num big brother sem câmeras. Posso elencar várias:
-Crie brincadeiras ou aprenda brincadeiras para a família em casa;
-Ensine o que puder ser ensinado;
-Medite;
-Se cerque de coisas boas;
-Mantenha um otimismo realista, ou seja, entenda a necessidade do isolamento, com olhos num futuro melhor;
– Volte a velhos hobbies. Desenhe, toque instrumentos musicais