O resgate do futebol narrado através da história dos estádios que já existiram e existem em Belo Horizonte, uma das mais importantes capitais do País. O tema faz parte da tese de doutorado do professor Georgino Jorge de Souza Neto, do Departamento de Educação Física e do Desporto, da Universidade Estadual de Montes Claros: “Do Prado ao Mineirão: a História dos Estádios na Capital Inventada – 1906-1965”.
A tese será defendida nesta terça-feira (25/7), no Programa de Pós-Graduação em Estudos do Lazer, no campus BH da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Uma prévia do estudo foi compartilhada com os alunos, professores e convidados da Unimontes, numa sessão mensal do Fórum Permanente de Educação Física (Fopef), na última semana (18/7), no campus-sede da Unimontes.
A escolha do tema, segundo o autor, deve-se ao ineditismo sob o ponto de vista acadêmico, além da oportunidade de resgatar e valorizar a história das principais praças do futebol mineiro e, ainda, revisar conceitos sobre algumas verdades distorcidas. Como exemplo, ele lembra que, por uma briga política, a obra do Mineirão quase parou pela metade. Outra: a construção do Estádio Independência, que inicialmente não tinha nenhum vínculo com a realização da Copa do Mundo de 1950, no Brasil.
“Belo Horizonte seria uma das sedes, mas a proposta para os jogos do Mundial era para o Estádio da Alameda, que pertencia ao América, que foi vetado pela Fifa numa vistoria. Para a cidade não ficar de fora da Copa, houve uma mobilização total para abraçar o projeto do Sete de Setembro, que já havia iniciado as obras do Independência por conta própria, em 1948, a partir de empréstimos vultosos”, explica.
O estudo teve como fontes jornais e periódicos de Belo Horizonte no período de 1904-1965 e traça os campos de futebol como ambiente de lazer, assim como relata a dependência de cada projeto de estádio com o poderio econômico e político da época de realização das obras. Narra, ainda, a influência dos estádios na própria ocupação de Belo Horizonte, assim como na implantação de avenidas, pontes, viadutos e de serviços públicos de transporte para atender o fluxo de pessoas que acompanhavam o futebol, especialmente aos domingos.
INÍCIO, MEIO E FIM
A definição de “cidade inventada” tem explicações: “Belo Horizonte foi uma cidade totalmente planejada, sob a ótica da modernidade, como substituição a então capital Ouro Preto, que remetia às memórias do tempo de colônia, com excesso de vielas, sem perspectiva de crescimento”, salienta Georgino Neto.
O primeiro estádio da Capital Mineira foi o Prado Mineiro, inaugurado em maio de 1906, após dois anos de obras, como um espaço para corridas de cavalos, mas como o turfe não caiu no gosto popular e não gerava receita fechou as portas em 1911.
Na época, a cidade já contava com Atlético, América e Yale como três dos principais clubes de futebol, mas que não tinham campo e realizava seus jogos em um terreno anexo ao Parque Municipal, na Região Central de BH. Juntos, se mobilizaram para que a estrutura do Prado, especialmente por causa das arquibancadas para 1,5 mil pessoas, fosse adaptada ao futebol. A prefeitura cedeu ao pedido e o Prado Mineiro foi convertido no primeiro estádio da Capital. Em 1914, a primeira competição constituída: Taça Bueno Brandão, que seria a precursora do Campeonato Mineiro. A influência na época foi tamanha que a área ao redor tornou-se um bairro – atual Prado. O terreno do campo hoje é ocupado pelo Batalhão e pelo Clube dos Oficiais da Polícia Militar.
O Prado Mineiro atendeu aos clubes da Capital até o início da década de 1920. Com o crescimento da popularidade do futebol, houve a necessidade de criar um novo estádio em Belo Horizonte e coube ao América assumir o projeto. Em 1923, o Coelho inauguraria seu próprio campo, com capacidade para seis mil pessoas, na área onde hoje funciona o Mercado Central, um dos principais pontos turísticos de BH.
Na mesma época, dissidentes do Yale, clube que foi fundado pela colônia italiana da Capital, criaram o Palestra Itália (que mudaria de nome no período da Segunda Guerra Mundial para se tornar Cruzeiro), bancaram do próprio bolso a construção de um estádio no Barro Preto, mas modesto na capacidade de público: 1 mil pessoas.
Mas já em 1928, o América não resistiu a uma pressão da Prefeitura: que cedesse o seu estádio para a construção do Mercado Central e, em troca, receberia um novo terreno. Surge aí o projeto do Estádio da Alameda, na região ao fundo do Parque Municipal, na Avenida dos Andradas, com capacidade para 15 mil pessoas. Com o incentivo do município e do Estado, o campo recebeu o nome do então governador Octacílio Negrão de Lima. Atualmente, funciona um hipermercado no local.
O Atlético não ficou atrás dos rivais e, em 1929, com a ajuda da Prefeitura, fez o Estádio Presidente Antônio Carlos, que recebeu o nome do então presidente do Estado (cargo equivalente hoje ao de Governador), torcedor declarado do clube. O campo passaria a ser o segundo maior da cidade, com 12 mil lugares. No terreno atual, funciona um shopping, no Bairro de Lourdes.
“Prestem atenção que em quase todos os casos houve uma relação direta dos clubes com a política da época, algo que veremos também mais adiante e, porque não, nos dias de hoje, como na organização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014”, explica o professor da Unimontes.
Na década de 40, foi a vez de o Cruzeiro buscar uma ascensão em termos de espaço, com a ampliação do Estádio do Barro Preto. O prefeito em Belo Horizonte já era o Juscelino Kubistchek, que também ajudou financeiramente. O campo recebeu as iniciais de JK, torcedor cruzeirensen, com capacidade para 15 mil pessoas.
Em 1948, surge um personagem folclórico no futebol mineiro e que seria peça importante para que o Estado recebesse, dois anos depois, uma das sedes da primeira Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Comerciante bem sucedido em Belo Horizonte e vereador à época, Antônio Lunardi era o presidente do Sete de Setembro e, mesmo atrás de América, Palestra e Atlético na preferência dos torcedores, o clue bancou o sonho de construir o maior estádio da cidade.
Surgia o projeto do Independência, que foi batizado desta maneira em alusão ao nome do clube. Inicialmente, Lunardi fez um empréstimo pessoal de três milhões de cruzeiros (o que corresponde, atualmente, a cerca de R$ 15 milhões, segundo o estudo).
“Como a Fifa vetou o Estádio do Alameda para receber a Copa, o Governo de Minas, Prefeitura de BH e a então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) se uniram para alimentar a ideia de que o palco para o mundial em Belo Horizonte fosse o estádio do Horto. Uma lei estadual, de autoria do governador Octacílio Negrão de Lima, ampliou o financiamento para a obra, de forma que atendesse às exigências da Fifa”, acrescenta Georgino. “Não é exagero algum afirmar que, diante das circunstâncias, Belo Horizonte pagou alto para ter as três partidas do mundial realizadas no Independência diante de mais de 45 mil pessoas em cada uma delas”, narra.
ERA MINEIRíO
O surgimento do “maior e melhor estádio do mundo”, lema adotado pelos políticos da época foi conturbado e, por muito pouco, até mesmo por questão de vaidade, o Estádio Magalhães Pinto, o Mineirão, não foi levantado. Inspirado em dois projetos anteriores que não foram adiante – o Estádio Universitário e o Estádio da Federação Mineira de Futebol (FMF) –, o “Gigante da Pampulha” começou ainda na gestão do governador Bias Fortes, que era do PSD.
Terminaria em outro governo; Magalhães Pinto, que era de um partido absolutamente contrário (a UDN) e resistiu financiar o Mineirão temendo alimentar a ideia de um oponente. Foi preciso a intervenção do então presidente JK para que Magalhães Pinto se convencesse da importância do empreendimento. Jorge Carone, que foi vereador à época e acabou eleito prefeito de BH por bancar o projeto, foi outro nome importante no erguimento do então “Estádio Minas Gerais”, inaugurado em setembro de 1965, com o jogo Seleção Mineira 1×0 River Plate, gol do atleticano Bugleaux.