Primeiro programa – “A Invenção do 3 de Julho” – traz os detalhes de como a emancipação aconteceu antes de 1857
As referências históricas e, porque não, as polêmicas que elas mostram sobre qual é o verdadeiro aniversário do município de Montes Claros. O tema, que coincide com a véspera das comemorações do próximo três de julho pelos 163 anos da maior cidade do Norte de Minas, marca o lançamento do podcast “Tempus – Combates pela História”, produção co-organizada e apresentada pelos professores Laurindo Mékie Pereira, do Departamento de História da Unimontes, Thiago Pereira e Francisco Rocha, mestre e mestrando do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/Unimontes), respectivamente. Os dois são egressos do curso de História da própria Universidade.
O trabalho “A Invenção do 3 de julho” está disponível nos aplicativos Spotify, Deezer e Google Podcasts e, ainda, com espaço para a interação no Instagram oficial @Tempuspodcast. “As produções serão periódicas, como um bate-papo sobre História e Historiografia nos contextos locais, nacionais e globais com o auxílio da ciência e, também, com senso crítico e humor”, revela Francisco “Chico” Rocha, na abertura do programa de estreia.
Esta primeira produção dá detalhes desse conflito de datas sobre qual é a origem do aniversário de Montes Claros. A primeira referência é o alvará datado de 12 de abril de 1707 para a obtenção da sesmaria (doação de terra que se fazia naquela época) por parte de Antônio Gonçalves Figueira. Com este processo, ele instalaria logo a seguir a Fazenda Montes Claros. “A partir da fazenda surgiu, no entorno de sua igreja, o Arraial de Nossa Senhora de Conceição e São José de Formigas”.
Em 13 de outubro de 1831, foi publicado o decreto do Império que emancipa o Arraial, elevando-o à categoria de vila (Vila de Montes Claros das Formigas), o que à época significava a emancipação político-administrativa. E, em 16 de outubro de 1832, implanta-se de fato o município, conforme determinava o decreto do ano anterior: com câmara municipal, cadeia, pelourinho. Ou seja, em termos legais e institucionais já estava devidamente emancipada como distrito do então município de Serro frio (atual Serro).
Site do projeto (clique aqui) Instagram “Tempus – Combates pela História”
Mas, 25 anos depois, chegaria a data que viria a provocar a polêmica sobre o aniversário da cidade: 3 de julho de 1857, quando Montes Claros obteve o título de cidade, embora, mesmo na condição de vila já tinha tal autonomia.
CENTENÁRIOS
O professor Thiago Pereira lembra no podcast que, em 16 de outubro de 1932, foi comemorado “o primeiro centenário de Montes Claros”, com base no decreto imperial que emancipou as vilas brasileiras. “Houve apresentação da banda euterpe e missa campal para celebrar os 100 anos”, resgata.
Ele explica que, até então, constava na história esta como a data normal de aniversário. “Esta festa em 1932 faz referência à emancipação, como informam os documentos oficiais da Assembleia Legislativa do Estado e do IBGE, por exemplo”.
Mas em 3 de julho de 1957, detalha o professor Laurindo Mékie, uma nova comemoração de centenário alusiva aos 100 anos da obtenção do título de cidade para Montes Claros. A festa foi propositalmente criada pelas lideranças da época, a partir da idealização do médico, escritor, folclorista e político Hermes de Paula. “Era algo para se aliar ao momento desenvolvimentista que o Brasil vivia com o Governo JK que, aliás, foi uma das ilustres presenças nas comemorações deste segundo centenário”, explica Mékie.
A Montes Claros dos anos 50 tinha uma economia particularmente agropecuária e pouca fama nacional, a não ser como “terra de cangaceiros e das intensas disputas de grupos políticos, vide o atentado ao então vice-presidente da República Melo Viana, em 1930”. A energia elétrica era racionada e o fornecimento de água não era suficiente para toda a população. Por isso, a força política local ignorou as rivalidades e idealizou algo que pudesse apresentar a cidade para o restante do Brasil e atrair investimentos. “O esforço local foi para construir outra imagem da cidade, inspirada no plano de desenvolvimento e modernização que Juscelino Kubistchek criou para o País”, relata Thiago.
Esse segundo centenário de Montes Claros ficou marcado por um intenso movimento político e cultural, ao longo de uma semana de eventos dos mais diversos, como palestras, desfile, lançamento de músicas e de livros e inaugurações como do Parque de Exposições e do Colégio Marista São José. Outro projeto concebido foi a fundação do Clube Campestre Pentáurea, consolidada somente no ano seguinte, cujo nome é um neologismo às cinco áureas; cinco bodas de ouro (ou 250 anos) em referência ao alvará de 1707 que criou a Fazenda Montes Claros.
Além do presidente JK, a cidade recebeu o governador à época (Bias Fortes) e o escritor montes-clarense Cyro dos Anjos, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), que era o então subchefe na Casa Civil da Presidência da República. Uma curiosidade naquele período era a condição do presidente da Câmara, Geraldo Athayde, como prefeito, que assumiu depois da renúncia do então Chefe do Executivo Alfeu Gonçalves de Quadros (e de seu vice-prefeito).
Em resumo, os pesquisadores mostram neste primeiro podcast que “a festa do centenário em 1957 instituiu uma tradição: celebrar o três de julho como o aniversário de Montes Claros. Isso ensejou, nos anos seguintes, uma confusão: tratar a data de obtenção do título de cidade como equivalente à emancipação do município”, explica Mékie.
Segundo ele, durante décadas, populares, autoridades e as instituições, incluindo as públicas, faziam referências ao três de julho como “o dia da “emancipação político-administrativa” de Montes Claros. “O equívoco foi apontado primeiramente, ao que me parece, pelos professores Marcos Fábio Martins de Oliveira e Tarcísio Botelho. Posteriormente, já nos anos 2000, o assunto foi debatido na Câmara Municipal, ganhou destaque na imprensa e, felizmente, progressivamente, vem crescendo o discernimento do que, de fato, ocorreu nessa data.
“A primeira edição do podcast “Tempus: Combate pela História” traz a lume o processo de invenção dessa tradição, procurando dissecar a conjuntura dos anos 1950, os personagens e projetos envolvidos”, finalizam os historiadores.